Clarice Lispector (1920-1977) menos de dois meses antes de sua morte, publica em 26/10/1977, A Hora da Estrela uma das obras mais emblemáticas que já li até hoje! O livro combina uma simplicidade narrativa com uma profundidade filosófica para retratar o drama existencial de Macabéa, uma jovem nordestina perdida na miséria e na invisibilidade social do Rio de Janeiro.
A narrativa é conduzida por Rodrigo S. M., um narrador-escritor que se coloca como intermediário entre Clarice e a personagem. Ele tenta “dar voz” a Macabéa, mas ao mesmo tempo revela sua própria angústia e impotência diante da tarefa de representar alguém tão insignificante aos olhos da sociedade.
Macabéa é uma datilógrafa pobre, órfã, sem beleza, sem instrução e sem consciência de si. Vive num quarto alugado, alimenta-se mal e sonha com banalidades (ouvir rádio, tomar Coca-Cola, casar-se com o rude Olímpico). Sua vida parece sem enredo até o momento final, quando uma cartomante lhe promete um futuro brilhante — promessa interrompida por sua morte súbita, atropelada por um carro.
Clarice utiliza a história de Macabéa para discutir a exclusão social, a solidão e o sentido da existência. A obra é uma crítica à sociedade moderna que reduz o ser humano a números e funções, apagando sua individualidade.
A escrita de Clarice é fragmentada, introspectiva e filosófica. O texto rompe com a linearidade tradicional, misturando narrativa, confissão e ensaio.
Macabéa, com sua ignorância e pureza, torna-se símbolo do ser humano reduzido à condição de “ninguém”, mas também de uma inocência quase sagrada. Sua “hora da estrela” — o instante da morte — é paradoxalmente o momento em que ela finalmente é notada, ainda que pela tragédia.
O livro convida o leitor a encarar o outro com um olhar de compaixão e desconforto, lembrando que, mesmo nas vidas mais apagadas, há uma centelha de humanidade e de mistério.
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