Dessa vez quis relembrar se a memória afetiva que eu tinha na adolescência desse clássico brasileiro se manteria agora adulto.
Posso dizer que 30 anos depois de ter lido Capitães da Areia pela 1ª vez o encanto que essa obra traz permanece o mesmo! Jorge Amado (1912-2001) lança sobre seus moleques de rua um olhar que mistura ternura, fúria e um senso de absurdo diante de um mundo que fabrica seus próprios “inimigos”.
O romance funciona como um grande estudo de laboratório social, só que o laboratório é a própria cidade de Salvador, e os ratos de experimento são crianças vivas, vibrantes, muitas vezes ferozes, moldadas por um ambiente que lhes oferece pouco além de fome, violência policial e abandono. Amado não está interessado em fazer panfleto barato; ele faz algo mais complexo: expõe a estrutura que produz a marginalidade e, ao mesmo tempo, dá rosto, nome e poesia a quem costuma ser reduzido a estatística.
A narrativa acompanha Pedro Bala, Professor, Dora, João Grande e o bando que vive no trapiche, e a força do livro está no contraste entre a vida crua que eles levam (pequenos furtos, correrias, romances precários e amizades frágeis) e a profundidade existencial com que Amado os trata.
Cada personagem é quase um arquétipo móvel: Dora encarna o afeto impossível, Professor representa a imaginação que resiste ao real, Pedro Bala é a força política embrionária que um sistema injusto costuma ignorar até que tarde demais. A prosa de Amado, exuberante e cheia de movimentos, injeta dignidade literária naquilo que muita gente preferiria varrer para debaixo do tapete.
O romance não nos entrega uma solução, nem pretende. Prefere mostrar a metamorfose inevitável: do menino abandonado nasce o futuro líder sindical; do sonho nasce a tragédia; do afeto nasce uma cicatriz. Esse ciclo é o verdadeiro protagonista da obra. Quem lê sai com a incômoda impressão de que a sociedade brasileira continua, de certa forma, repetindo o experimento.
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