segunda-feira, agosto 18, 2025

Sobre a Brevidadde da Vida


Escrito no século I d.C., De Brevitate Vitae é uma das obras mais célebres do filósofo estoico Lúcio Aneu Sêneca (4 a.C-65). Trata-se de uma carta ensaística, na qual o autor reflete sobre o tempo, a finitude da existência humana e a forma como os homens desperdiçam suas vidas em ocupações inúteis, ambições vãs ou prazeres passageiros.

Sêneca parte da provocativa tese de que a vida não é curta em si mesma, mas se torna curta quando mal administrada. O tempo, o bem mais precioso, é o único recurso verdadeiramente irrecuperável; no entanto, os homens se comportam como se fosse inesgotável. Trabalhos desnecessários, busca incessante por riquezas, carreiras políticas desgastantes e prazeres superficiais consomem o viver, restando pouco espaço para a filosofia e para a contemplação daquilo que dá sentido à existência.

Sua crítica à dispersão e ao apego às coisas efêmeras ecoa fortemente em uma sociedade moderna marcada pela pressa, pelo consumismo e pela ilusão da produtividade constante. Ao defender a vida filosófica como o verdadeiro uso do tempo, Sêneca não propõe um isolamento do mundo, mas sim uma atitude de consciência, reflexão e busca daquilo que é essencial.

Em um mundo em que “não temos tempo para nada”, Sêneca nos lembra que não é a vida que nos falta, mas sim a consciência de vivê-la plenamente.

Sobre a Brevidade da Vida é uma obra breve, mas de impacto profundo. É ao mesmo tempo uma advertência e um convite: a advertência de que o tempo se esvai nas ocupações fúteis e o convite para resgatarmos o que há de mais humano que é a capacidade de pensar, escolher e viver de forma autêntica.

domingo, agosto 17, 2025

A Divina Comédia: Paraíso


Foi uma grande jornada com um final digno da fama que essa obra carrega. 

O Paraíso é a parte final da Divina Comédia e, ao mesmo tempo, a mais complexa e abstrata da obra de Dante Alighieri. Se no Inferno predominava a concretude das penas e no Purgatório a caminhada esperançosa rumo à purificação, no Paraíso o poeta nos transporta a uma dimensão espiritual de difícil representação, em que a linguagem humana parece insuficiente diante da grandeza divina. 

A narrativa se estrutura na ascensão de Dante, guiado por Beatriz, através das nove esferas celestes até chegar à visão beatífica de Deus. Cada esfera corresponde a um grau de perfeição e virtude, habitado por almas que, de alguma forma, não alcançaram a plenitude da união divina, mas que participam da glória eterna. O poeta dialoga com santos, doutores da Igreja, figuras bíblicas e até com seu bisavô Cacciaguida, que lhe revela sua missão profética e o exílio que enfrentará. 

Foi o canto mais exigente, mas a sua leitura atenta e pausada compensa todo o esforço. O próprio autor se esforçou em traduzir o indescritível dando origem a algumas passagens de uma beleza sublime.

Podemos considerar o Paraíso ao mesmo tempo o auge e o limite da Divina Comédia. É o auge porque cumpre a promessa da jornada: a elevação do homem pela graça até a visão direta de Deus. É o limite porque a experiência divina é intransmissível em palavras e o próprio poeta reconhece sua incapacidade de expressar plenamente o que viu, transformando a falha da linguagem em parte essencial da mensagem. 

Assim, o Paraíso é menos narrativo e mais contemplativo: exige fé, paciência e entrega intelectual. Para alguns, pode parecer chato, mas  pra mim, foi como se eu tivesse tido a oportunidade de vislumbrar um pequeno pedaço do que nos espera caso sigamos o Seu caminho.

segunda-feira, agosto 11, 2025

A Divina Comédia: Purgatório


Continuando a saga da Divina Comédia, agora foi a vez do Purgatório que ocupa posição central, funcionando como ponte entre o terror moral do Inferno e o êxtase luminoso que nos espera no Paraíso. É o livro da esperança e da transformação, no qual Dante, guiado por Virgílio, ascende pela montanha do Purgatório, lugar destinado às almas arrependidas que, embora salvas, ainda necessitam expiar suas faltas. 

A estrutura é rigorosa: sete terraços correspondem aos sete pecados capitais, cada um purgando o vício através de uma contrapassio simbólica. Ao contrário do ambiente opressivo e imutável do Inferno, o Purgatório é dinâmico: as almas estão em movimento, em processo de depuração, e a paisagem é permeada por luz crescente e cânticos sagrados. Essa atmosfera traduz uma mudança fundamental de tom: o medo e a condenação cedem espaço à possibilidade de redenção.

Ao final do livro temos a entrada triunfal de Beatriz na narrativa que se torna a sua nova guia e que já nos dá um vislumbre do que teremos no Paraíso. 

O grande mérito do Purgatório está na sua dimensão humana: é o cântico do arrependimento ativo, da disciplina espiritual e da confiança na misericórdia divina. Ao contrário do Inferno, onde os condenados se tornam estáticos em seus erros, aqui há diálogo, humildade e desejo de mudança. Virgílio, ainda guia racional, começa a ceder espaço a Beatriz, símbolo do amor divino, preparando o leitor para a etapa final da jornada. 

Aqui temos um livro contemplativo e esperançoso, celebrando a transformação pela penitência e pelo amor divino. É o cântico onde o homem, entre a queda e a perfeição, luta para purificar-se e tornar-se digno da luz eterna.

quarta-feira, agosto 06, 2025

A Divina Comédia: Inferno


Depois de concluir a jornada clássica subindo os degraus da Ilíada, Odisseia, Eneida e Metamorfoses; chegou o momento de encarar o clássico do poeta florentino Dante Alighieri: A Divina Comédia

O Inferno é a primeira das três partes que compõem a obra que é considerado um dos maiores marcos da literatura universal. O poema é ao mesmo tempo uma alegoria espiritual, uma construção teológica e um retrato político-social da Florença medieval. 

A narrativa inicia-se com Dante, na noite da Sexta-Feira Santa, perdido numa “selva escura” — metáfora para o pecado e a confusão moral. O poeta é guiado por Virgílio, símbolo da razão e da sabedoria clássica, numa descida pelos nove círculos do Inferno, onde as almas são punidas segundo a gravidade de seus pecados, num sistema de justiça divina chamado contrapasso (a pena reflete ou ironiza o crime cometido em vida). 

A força literária do Inferno está na fusão entre imaginação vívida e rigor moral. As descrições das paisagens infernais e das torturas são ao mesmo tempo reais e simbólicas: do rio Aqueronte às chamas de Lúcifer, tudo é carregado de significados teológicos e filosóficos. O texto vai além da religiosidade, revelando também a indignação política de Dante, que não hesita em colocar inimigos, governantes corruptos e até papas nos círculos infernais. 

A obra convida à reflexão sobre a responsabilidade individual, o papel da razão na condução moral e a necessidade de autoconhecimento para alcançar a salvação. Ainda assim, o Inferno mantém-se atual pela sua universalidade simbólica: todos, em alguma medida, reconhecem a jornada de sair do erro para buscar a luz.