domingo, novembro 16, 2025

Capitães da Areia

Dessa vez quis relembrar se a memória afetiva que eu tinha na adolescência desse clássico brasileiro se manteria agora adulto.

Posso dizer que 30 anos depois de ter lido Capitães da Areia pela 1ª vez o encanto que essa obra traz permanece o mesmo! Jorge Amado (1912-2001) lança sobre seus moleques de rua um olhar que mistura ternura, fúria e um senso de absurdo diante de um mundo que fabrica seus próprios “inimigos”.

O romance funciona como um grande estudo de laboratório social, só que o laboratório é a própria cidade de Salvador, e os ratos de experimento são crianças vivas, vibrantes, muitas vezes ferozes, moldadas por um ambiente que lhes oferece pouco além de fome, violência policial e abandono. Amado não está interessado em fazer panfleto barato; ele faz algo mais complexo: expõe a estrutura que produz a marginalidade e, ao mesmo tempo, dá rosto, nome e poesia a quem costuma ser reduzido a estatística.

A narrativa acompanha Pedro Bala, Professor, Dora, João Grande e o bando que vive no trapiche, e a força do livro está no contraste entre a vida crua que eles levam (pequenos furtos, correrias, romances precários e amizades frágeis) e a profundidade existencial com que Amado os trata.

Cada personagem é quase um arquétipo móvel: Dora encarna o afeto impossível, Professor representa a imaginação que resiste ao real, Pedro Bala é a força política embrionária que um sistema injusto costuma ignorar até que tarde demais. A prosa de Amado, exuberante e cheia de movimentos, injeta dignidade literária naquilo que muita gente preferiria varrer para debaixo do tapete.

O romance não nos entrega uma solução, nem pretende. Prefere mostrar a metamorfose inevitável: do menino abandonado nasce o futuro líder sindical; do sonho nasce a tragédia; do afeto nasce uma cicatriz. Esse ciclo é o verdadeiro protagonista da obra. Quem lê sai com a incômoda impressão de que a sociedade brasileira continua, de certa forma, repetindo o experimento.

quinta-feira, novembro 13, 2025

Lana: 14 anos de companhia, alegria e histórias que ficam

Foram 14 anos e 2 meses de convivência conosco. Sabíamos que esse dia chegaria, mas nada nos prepara de verdade: hoje, a nossa Lana se foi.

Ela entrou em nossas vidas com 69 dias de idade, no dia 18/09/2011. Viveu momentos inteiros conosco, especialmente com minha esposa, que cuidou dela praticamente sozinha por quase dois anos, antes mesmo de nos casarmos.

A Lana colecionou histórias. Foi roubada e recuperada. Quase morreu por uma superdosagem de medicamento. Teve o episódio surreal de cruzar com um cachorro que estava preso na coleira. Morou na obra da nossa casa. Fugiu pelo condomínio. E, acima de tudo, fez aquilo que mais amava nesta vida: pedir comida e dormir.


Nos últimos anos, ela já dava sinais da idade: catarata em um dos olhos, o início da coprofagia — que, felizmente, só apareceu na velhice — e uma falta de ar persistente nos últimos meses. Mesmo assim, era a mesma presença doce, inquieta e barulhenta de sempre.

Hoje, ela faleceu no momento em que cheguei do trabalho, por volta das 19h. Entrei com as compras, chamei minha esposa para ajudar e, como de costume, os cachorros começaram aquela festa de latidos. Foram me recepcionar na porta do corredor, como faziam todos os dias. Nesse instante, a emoção foi demais para ela, e a Lana teve um ataque cardíaco. Ainda estava quente e molinha quando a peguei no colo. Tirei sua última foto já sem vida, para guardar o registro da despedida.

Sempre disse aos amigos que perderam seus cães e prometeram nunca mais ter outro por medo da dor: Toda a alegria desses 14 anos supera em muito a tristeza deste momento. Não há arrependimento algum. Ter a Lana conosco por tanto tempo foi um privilégio que guardaremos para sempre.

Este texto é uma forma de preservar o que a Lana significou para nós. Ela fez parte da formação da nossa família, acompanhou mudanças, obras, rotinas, alegrias e tropeços. Deixou silêncio pela casa, mas deixou também uma coleção enorme de lembranças boas — e é nelas que escolhemos ficar.

domingo, novembro 09, 2025

O Senhor do Mundo


E vamos para o 50⁰ livro lido do ano!

Robert Hugh Benson (1871-1914), ex-sacerdote anglicano convertido ao catolicismo, publicou em 1907 O Senhor do Mundo em um contexto de transformações radicais: o avanço da ciência, o secularismo crescente e o enfraquecimento da fé no Ocidente. A partir disso, ele constrói uma distopia espiritual em que o progresso tecnológico e o humanitarismo político substituem Deus e o resultado é um mundo aparentemente pacífico, mas espiritualmente desolado.

A trama se passa em um futuro onde o catolicismo foi quase erradicado, as religiões tradicionais foram dissolvidas em uma espécie de espiritualismo universal e o Estado mundial, liderado pelo carismático Julian Felsenburgh, governa com base em um culto à paz e à unidade. Felsenburgh é apresentado como um “messias humanista”, aclamado por unir os povos, mas cuja autoridade esconde uma tirania totalitária e anticristã. No polo oposto está o padre Percy Franklin, figura que encarna a resistência espiritual da Igreja diante da apostasia global.

Benson critica a tendência moderna de substituir a transcendência por uma fé no progresso humano. O “humanitarismo” que domina o mundo do romance é, no fundo, uma nova religião política — sem Deus, mas com liturgia, culto e dogmas. O catolicismo, aqui reduzido a um pequeno rebanho subterrâneo, é a última voz que ainda reconhece a existência do mal.

O Senhor do Mundo impressiona pela visão profética. Ao prever um mundo globalizado, governado por um consenso moral relativista e sustentado por uma fé na ciência e na paz universal, Benson antecipou dilemas éticos e espirituais ainda muito atuais. O autor enxerga com clareza o perigo de um mundo que rejeita o transcendente e acerta ao intuir que a negação de Deus não leva à liberdade, mas a novas formas de idolatria.

Mais do que um romance, O Senhor do Mundo é um alerta. Escrito no início do século XX, ele antecipa de modo surpreendente a uniformização cultural, o culto à ciência e a substituição da fé por ideologias políticas. Ao final, Benson deixa claro que o verdadeiro conflito do futuro não será entre nações, mas entre visões de homem: o homem que se faz deus e o homem que se ajoelha diante de Deus.

terça-feira, outubro 28, 2025

A Hora da Estrela


Clarice Lispector (1920-1977) menos de dois meses antes de sua morte, publica em 26/10/1977, A Hora da Estrela uma das obras mais emblemáticas que já li até hoje! O livro combina uma simplicidade narrativa com uma profundidade filosófica para retratar o drama existencial de Macabéa, uma jovem nordestina perdida na miséria e na invisibilidade social do Rio de Janeiro.

A narrativa é conduzida por Rodrigo S. M., um narrador-escritor que se coloca como intermediário entre Clarice e a personagem. Ele tenta “dar voz” a Macabéa, mas ao mesmo tempo revela sua própria angústia e impotência diante da tarefa de representar alguém tão insignificante aos olhos da sociedade.

Macabéa é uma datilógrafa pobre, órfã, sem beleza, sem instrução e sem consciência de si. Vive num quarto alugado, alimenta-se mal e sonha com banalidades (ouvir rádio, tomar Coca-Cola, casar-se com o rude Olímpico). Sua vida parece sem enredo até o momento final, quando uma cartomante lhe promete um futuro brilhante — promessa interrompida por sua morte súbita, atropelada por um carro.

Clarice utiliza a história de Macabéa para discutir a exclusão social, a solidão e o sentido da existência. A obra é uma crítica à sociedade moderna que reduz o ser humano a números e funções, apagando sua individualidade.

A escrita de Clarice é fragmentada, introspectiva e filosófica. O texto rompe com a linearidade tradicional, misturando narrativa, confissão e ensaio.

Macabéa, com sua ignorância e pureza, torna-se símbolo do ser humano reduzido à condição de “ninguém”, mas também de uma inocência quase sagrada. Sua “hora da estrela” — o instante da morte — é paradoxalmente o momento em que ela finalmente é notada, ainda que pela tragédia.

O livro convida o leitor a encarar o outro com um olhar de compaixão e desconforto, lembrando que, mesmo nas vidas mais apagadas, há uma centelha de humanidade e de mistério.

sexta-feira, outubro 24, 2025

Como Ser Cristão


Como ser Cristão, publicado em 2018, reúne uma seleção de ensaios, cartas e artigos de C.S. Lewis (1898-1953), editados postumamente, com o objetivo de oferecer “os melhores insights de Lewis sobre a prática cristã e sua expressão no dia-a-dia”.

O autor trabalha algumas ideias como a definição de “ser cristão” não ser apenas uma afiliação ou crença, mas como um modo de viver, trazendo a importância da humildade, do perdão, da caridade e da renúncia de si mesmo.

Mesmo sendo fragmentário, o livro chama atenção para a coerência entre fé e prática, algo que muitos cristãos consideram difícil hoje. Por exemplo, o capítulo sobre perdão como prática necessária é muito simples de entender, mas é desafiador de se colocar em prática.

O livro oferece percepções valiosas sobre como a fé pode alimentar não só a vida pessoal, mas também a justiça e o serviço ao próximo.

Temos aqui uma boa porta de entrada rica e honesta para a vida cristã: leve o suficiente para não sobrecarregar, profundo o bastante para provocar.

domingo, outubro 19, 2025

O Pai Goriot

Publicado em 1835, O Pai Goriot é uma das obras mais emblemáticas de Honoré de Balzac (1799-1850) e peça central do vasto ciclo A Comédia Humana, projeto literário monumental que buscava retratar a sociedade francesa em toda a sua complexidade moral, social e econômica.

A narrativa se passa em Paris, por volta de 1819, e tem como cenário principal a pensão Vauquer, um microcosmo social onde convivem personagens de diferentes origens e ambições. É ali que se cruzam as trajetórias de Rastignac, um jovem estudante de Direito ambicioso e idealista, e de Goriot, um velho comerciante que se arruinou financeiramente para sustentar suas duas filhas ingratas, Anastacia e Delphine.

O drama central do romance é o amor paterno absoluto e trágico de Goriot, que sacrifica tudo — dinheiro, dignidade e saúde — por filhas que, uma vez casadas e inseridas na alta sociedade, passam a desprezá-lo. Balzac transforma essa relação em uma poderosa alegoria do egoísmo e da corrupção moral da burguesia parisiense, onde o dinheiro se torna o verdadeiro mediador de todas as relações humanas.

Balzac combina realismo minucioso e observação social precisa, descrevendo ambientes, vestimentas e gestos com riqueza de detalhes quase científica.

O romance é considerado o “Rei Lear burguês”, pela semelhança com a tragédia de Shakespeare — um pai dilacerado pelo amor desmedido a filhas ingratas —, mas transposto para o contexto da ascensão burguesa e da luta por status no século XIX. Só que Goriot não tem a sua Cordélia para amenizar a tragédia que se abate sobre si.

A força do romance está tanto no retrato psicológico profundo de Goriot quanto na precisão sociológica da crítica balzaquiana. O leitor, ao final, é confrontado com uma pergunta perturbadora: qual o preço da ascensão social em uma sociedade movida pelo dinheiro?

sábado, outubro 18, 2025

Nintendo Switch 2

 


Não tem jeito! Nintendo é meu fraco!! Se passaram apenas 4 meses após o lançamento do novo console da Nintendo e hoje chega o Nintendo Switch 2 à minha casa.

Na época do lançamento do Switch 1 eu comprei ele com 5 meses de mercado e agora refaço o mesmo caminho que fiz com a 1ª versão desse maravilhoso console.

Comprei o Switch 1 em agosto/2017 e foram oito ótimos anos que ele me serviu bem e, com certeza, o console que mais joguei nesses anos, mesmo tendo o PS5 e o XONE em casa.

Com a chegada do Switch 2 em casa, pela primeira vez em anos, irei me desfazer de um console, pois não faz sentido manter o Switch 1, sendo que este novo console é totalmente retrocompatível com os jogos antigos.

Consegui comprar até num preço bom, um pouco abaixo do preço que está sendo praticado no mercado (paguei R$ 3.554,00).

Já pude jogar um pouco e realmente a diferença é muito grande comparado com a versão 1. A tela é maior, o som é melhor, o encaixe dos controles foi melhorado, ou seja, Nintendo fazendo a evolução natural de um console que fez história na empresa!

Mantenho os 33 consoles na coleção.

CONSOLES DE MESA (25):

  • Nintendo: NES, Super Nintendo, Nintendo 64, Game Cube, Wii, Wii U e Switch 2
  • Sega: Master System; Mega Drive, Sega CD, Saturn e Dreamcast;
  • Sony: PS1, PS2, PS3, PS4 e PS5
  • Microsoft: Xbox; Xbox 360, Xbox One S, Xbox Series X;
  • Outros: Odyssey2, Atari 2600, Ouya e Neo Geo CD.

CONSOLES PORTÁTEIS (8):

  • Nintendo: Game Boy, Game Boy Color, Game Boy Advance SP, DS e New 3DS XL.
  • Sony: PSP e PS Vita;
  • GamePad Digital: GPD XD


sexta-feira, outubro 10, 2025

O Livro das Maravilhas


 Publicada em 1912, O Livro das Maravilhas reúne catorze contos curtos acompanhados das ilustrações de Sidney Sime, que dialogam com o texto. Esse é um caso raro, onde as ilustrações nasceram primeiro e o autor escreveu a história imaginando os acontecimentos de cada imagem. O autor, Lord Dunsany (1878-1957), foi um dos pioneiros da literatura fantástica moderna. Ele influenciou profundamente autores como H. P. Lovecraft, J. R. R. Tolkien e Neil Gaiman. 

Portanto, cada conto apresenta um mundo imaginário autônomo, frequentemente habitado por deuses menores, aventureiros, ladrões e viajantes que desafiam os limites do real. Alguns exemplos: 

  • A Busca pelas Lágrimas da Rainha onde um herói tenta provocar emoção numa rainha incapaz de chorar.
  • Chu-Bu e Sheemish onde dois deuses rivais disputam a devoção dos fiéis. 
  • A Coroação do Sr. Thomas Shap onde um homem comum é coroado rei num mundo paralelo. 

Dunsany convida o leitor a sair do mundo racional e penetrar num universo onde o mistério é sagrado. 

Ele escreve com solenidade e lirismo, aproximando a prosa da linguagem dos contos de fadas e das epopeias clássicas.

Cada conto parece uma pequena lenda oral, narrada com simplicidade e reverência, mas impregnada de ironia e humor sutil. 

O Livro das Maravilhas é uma coletânea essencial para compreender as origens da fantasia literária moderna. Mais do que histórias isoladas, é uma ode à imaginação e ao poder do mito num mundo cada vez mais descrente da magia.

segunda-feira, outubro 06, 2025

O Alienista


Continuando no mundo Machadiano, temos aqui O Alienista (1882), uma novela que combina humor, ironia e filosofia para discutir os limites da razão, da loucura e do poder. 

A narrativa gira em torno do médico Simão Bacamarte, um renomado cientista que decide se dedicar ao estudo da mente humana. De volta à sua cidade natal, Itaguaí/RJ, ele funda a Casa Verde, um hospício destinado a abrigar os “loucos” da região. 

Com o passar do tempo, Bacamarte começa a internar praticamente todos os habitantes da cidade (políticos, religiosos, esposas, vizinhos) sob os mais variados pretextos. A cidade entra em caos, revoltas populares e crises políticas eclodem, mas o médico segue firme em sua “missão científica”. 

Em um desfecho surpreendente, Bacamarte decide que, talvez, os verdadeiramente loucos sejam os equilibrados demais e acaba internando a si próprio. 

Flertando entre a loucura e a razão, Machado coloca em xeque o que realmente significa ser “são”. A busca obsessiva de Bacamarte pela racionalidade absoluta o leva à própria loucura, expondo o perigo do excesso de razão. 

Além disso, as revoltas em Itaguaí revelam uma sociedade guiada por interesses pessoais e vaidades, não por princípios. Machado, com humor ácido, mostra como o poder e o prestígio corrompem tanto o cientista quanto os governantes. 

Temos em O Alienista uma alegoria universal sobre o poder, a ciência e a insanidade humana. A obra continua atual, pois questiona a racionalidade que governa as instituições e a tênue linha entre sanidade e loucura.

domingo, outubro 05, 2025

Dom Casmurro


Finalmente me adentrei numa das obras mais importantes da nossa literatura! Publicado em 1899, Dom Casmurro é uma das obras mais emblemáticas da literatura brasileira e um dos ápices do realismo machadiano. Narrado em primeira pessoa por Bento Santiago, o romance é uma reconstrução de memórias que buscam “atar as duas pontas da vida”, relembrando sua juventude, o amor por Capitu e o suposto adultério que teria destruído sua felicidade. 

A escrita de Machado de Assis (1839-1908) é marcada pela ironia, ambiguidade e introspecção psicológica. O narrador tenta justificar ao leitor o porquê de seu isolamento e melancolia. No entanto, à medida que a narrativa avança, percebe-se que Bento é um narrador pouco confiável, conduzindo o leitor por um labirinto de dúvidas.

A célebre suspeita sobre a fidelidade de Capitu — “olhos de cigana oblíqua e dissimulada” — nunca é confirmada nem desmentida, o que transforma o romance em um estudo sobre o ciúme, a insegurança e o poder da subjetividade. 

Dom Casmurro é um retrato atemporal da condição humana, de nossas incertezas, ilusões e autossabotagens. O romance se mantém atual por sua profundidade psicológica e por deixar ao leitor a tarefa de decidir se Capitu foi, de fato, culpada — ou se tudo não passou de uma tragédia inventada por um homem que amou mal. 

Ao final da história eu cheguei na minha opinião sobre a Capitu o que pode ser totalmente diferente da sua e ambos estaremos certos. Só por isso ja poderia considerar esse o melhor romance que já li na vida e ainda ter o orgulho de ser uma história genuinamente brasileira.