A Eneida, escrita por Virgílio (70 a.C.-19 a.C.) no século I a.C., é mais do que uma epopeia mitológica sobre a fundação de Roma: é um projeto literário profundamente político, que combina poesia, propaganda e filosofia. Composta em doze livros e inspirada nas epopeias homéricas, a obra narra a jornada do herói troiano Eneias, desde a queda de Troia até sua chegada ao Lácio, onde lançará as bases da futura Roma.
Virgílio, escrevendo a pedidos do imperador Augusto, dá à Eneida um tom solene e profético. Eneias não é apenas um guerreiro; ele é portador do destino inevitável traçado pelos deuses, que o impele a cumprir uma missão maior do que ele mesmo. A submissão de Eneias ao dever e sua renúncia a paixões pessoais (como no célebre abandono de Dido) ilustram o ideal da virtude romana de devoção à pátria, aos deuses e à família.
A leitura é difícil, pois o autor usa uma linguagem refinada, cheia de imagens poéticas (li acompanhado de um professor que explicava livro por livro no detalhe). A estrutura narrativa equilibra ação e introspecção, mesclando episódios heroicos com momentos de grande humanidade. A descida ao mundo dos mortos, no Livro VI é um dos pontos altos da obra, onde Eneias encontra seu pai e vislumbra o destino glorioso de Roma.
A influência homérica é visível: os seis primeiros livros ecoam a Odisseia (viagem e provações), e os seis últimos a Ilíada (guerras e batalhas).
A Eneida é uma obra profundamente marcada pelo contexto da ascensão de Augusto e do fim das guerras civis romanas. A epopeia legitima o novo regime ao apresentar Eneias como antepassado da família Julia, que é a família do imperador. Roma surge como a culminação de um plano divino universal — um império destinado a trazer paz e ordem ao mundo.
Essa dimensão política, no entanto, não elimina a tensão trágica da narrativa. Alguns apontam a ambiguidade do final, com Eneias matando Turno em um gesto de fúria que parece contradizer sua imagem de piedade. Prefiro ter uma outra leitura que é mais sombria: a fundação de Roma vem à custa de dor, sacrifício e destruição.
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