domingo, setembro 28, 2025

Ana Terra


Ana Terra, publicado originalmente em 1949 como parte da trilogia O Tempo e o Vento, narra a trajetória da personagem-título, uma mulher marcada pela dureza da vida nos pampas gaúchos do século XVIII, período de colonização e conflitos fronteiriços no sul do Brasil. 

A protagonista é retratada como símbolo da resistência e da luta feminina diante de uma realidade social e cultural hostil. Ana vive em um ambiente patriarcal, onde a mulher é destinada à submissão, mas sua força e determinação a transformam em figura de ruptura. Seu relacionamento com Pedro Missioneiro, de origem indígena, e a gravidez decorrente dele representam não apenas um conflito moral e familiar, mas também um choque cultural que expõe tensões entre preconceito, tradição e afetividade. 

Érico Veríssimo (1905-1975), com sua escrita fluida, não se limita a contar a saga de uma família; ele capta a construção da identidade do povo gaúcho. Ana Terra evidencia como a violência, a religiosidade e a luta pela terra moldaram o caráter de uma sociedade. Esse pequeno capítulo da trilogia original atiçou a vontade de ler toda a obra, algo que farei no futuro próximo. 

Enfim! Ana Terra é um livro que ultrapassa o regionalismo: é um retrato da condição humana diante da adversidade. A narrativa valoriza a coragem individual como alicerce da coletividade e reafirma o papel da mulher como protagonista silenciosa da história.

quarta-feira, setembro 24, 2025

Progresso na Vida Espiritual


Publicado em 1854, Progresso na Vida Espiritual do teólogo inglês Frederick Faber (1814-1863), que se converteu do anglicanismo ao catolicismo, é um tratado de espiritualidade católica que busca orientar o fiel no caminho de santificação progressiva. A obra se estrutura como um guia prático e meditativo, no qual o autor expõe, em linguagem profundamente devocional, as etapas do crescimento interior e da união com Deus. 

O ponto forte do livro está em sua combinação de clareza pastoral e densidade teológica. Faber não se limita a descrições abstratas da vida espiritual; ele propõe conselhos concretos para a prática da oração, da mortificação, da caridade e da confiança em Deus, com ênfase na ação da graça divina, sem anular a responsabilidade humana. 

O convite de Faber à perseverança, ao autoconhecimento espiritual e à busca sincera da santidade ressoa até hoje, mesmo para um livro escrito dois sefulos atras. Pontos que ele trazia à época que o inglês deveria tomar cuidado para não sair do caminho santificante, ressoa hoje como se tivéssemos feito o caminho contrário.

sexta-feira, setembro 12, 2025

A Arte de Viver


O Encheiridion, conhecido em português como A Arte de Viver, é um manual conciso do estoicismo elaborado a partir dos ensinamentos de Epiteto (50-138), compilados por seu discípulo Arriano. Ao contrário de tratados extensos, a obra tem caráter prático e direto: é menos um exercício especulativo e mais um guia de conduta para a vida cotidiana.

A mensagem central é a distinção entre o que está sob nosso controle (opiniões, desejos, escolhas) e o que não está (riqueza, saúde, reputação, morte). Epiteto insiste que a verdadeira liberdade e tranquilidade surgem ao concentrar-se apenas naquilo que depende de nós, aceitando o resto com serenidade. Essa postura torna-se um antídoto contra as perturbações e ansiedades que nascem do apego às circunstâncias externas.

A obra se destaca pela clareza e força moral de suas sentenças, mas também revela limitações. Sua ênfase na resignação pode parecer excessiva ou pouco prática em contextos sociais e políticos em que a ação coletiva é necessária para a justiça. Além disso, o foco na autossuficiência interior, embora libertador, pode soar individualista, relativizando a importância de vínculos comunitários ou afetivos, contrários aos ensinamentos cristãos. 

Ainda assim, sua relevância permanece viva: em um mundo marcado pela instabilidade, o chamado de Epiteto à disciplina interior, à aceitação lúcida e à liberdade espiritual continua atual. O livro não é apenas uma introdução ao estoicismo, mas uma provocação a repensarmos o que realmente controlamos em nossas vidas e o que nos aprisiona em falsas expectativas.

quinta-feira, setembro 11, 2025

História da Igreja: Marcas da presença de Cristo no Mundo


O livro História da Igreja: Marcas da presença de Cristo no Mundo, da historiadora italiana Angela Pellicciari (1948-), é uma introdução acessível e envolvente aos mais de dois mil anos de trajetória da Igreja Católica. Com linguagem clara, a autora apresenta os grandes marcos, crises, santos e concílios que moldaram a fé cristã, sempre ressaltando o testemunho espiritual que acompanha a história.

Um dos pontos fortes da obra é justamente este: mostrar que a Igreja não é apenas uma instituição, mas também uma comunidade viva, marcada pela ação de Cristo ao longo do tempo. Além disso, o livro não esconde momentos de perseguição, divisões internas e crises morais.

Há certa seletividade temática: a narrativa foca mais na experiência europeia e institucional, deixando em segundo plano perspectivas de comunidades periféricas, mulheres ou povos não ocidentais. Mas por ser um livro de 320 páginas, a autora teve que fazer várias concessões e essa foi uma delas.

Ainda assim, trata-se de uma leitura recomendada para católicos que desejam fortalecer sua compreensão da fé e da tradição.

terça-feira, setembro 02, 2025

A Hora e a Vez de Augusto Matraga


O conto A hora e vez de Augusto Matraga, publicado originalmente em Sagarana (1946), condensa, em poucas páginas, a violência, a redenção, a religiosidade e a tensão entre o destino e a liberdade humana. 

A narrativa acompanha Augusto Esteves, conhecido como Nhô Augusto, fazendeiro prepotente, mulherengo e violento que, após ser traído e espancado por inimigos, é dado como morto. Salvo por um casal de negros pobres, ele inicia uma trajetória de isolamento, penitência e conversão religiosa. Ao longo dos anos, vivendo em penitência e disciplina, tenta se preparar para “sua hora e vez” — o momento de provar seu valor espiritual. 

Guimarães Rosa (1908-1967) utiliza a linguagem sertaneja, rica em oralidade, arcaísmos e expressões regionais, para dar autenticidade e, ao mesmo tempo, transcendência à narrativa. O sertão aqui é mais do que cenário: é espaço simbólico onde se dão as lutas da alma humana. 

O aspecto mais poderoso da obra é a construção da figura de Nhô Augusto como um anti-herói que se torna mártir. Se no início é um homem bruto, entregue à violência e aos vícios, sua queda o leva a um processo de purificação interior que culmina em um gesto de sacrifício. 

A hora e vez de Augusto Matraga é mais que um conto regionalista: é uma narrativa sobre a possibilidade de transformação e transcendência.

segunda-feira, setembro 01, 2025

Ivanhoe


Publicado em 1819, Ivanhoe é um dos romances históricos mais célebres de Walter Scott (1771-1832) e um marco na consolidação do gênero. A obra transporta o leitor para a Inglaterra do século XII, período turbulento em que normandos e saxões disputavam poder após a conquista normanda. Nesse cenário, Scott constrói uma trama em que se misturam cavalaria, amor, intrigas políticas e o espírito medieval. 

O protagonista, Wilfred de Ivanhoe, é um cavaleiro saxão leal ao rei Ricardo Coração de Leão. Deserdado pelo pai por amar Lady Rowena, Ivanhoe retorna disfarçado, revelando sua identidade apenas em torneios e batalhas decisivas. Uma das personagens mais interessantes é Rebecca, uma jovem judia que se torna símbolo de dignidade e resistência em meio ao preconceito medieval. 

Do ponto de vista literário, Ivanhoe combina rigor histórico e imaginação romântica. Scott reconstrói costumes, hierarquias feudais, códigos de cavalaria e tensões étnicas. 

Um dos pontos mais fortes do romance é a crítica velada às injustiças sociais, especialmente no tratamento dado aos judeus. Rebecca é construída como uma das personagens mais nobres e virtuosas do livro, em contraste com cavaleiros cristãos muitas vezes cruéis e interesseiros. 

Ivanhoe permanece como um clássico não apenas pela aventura e pelo pano de fundo histórico, mas pela forma como problematiza identidade nacional, preconceito e a tensão entre ideal e realidade. Walter Scott inaugurou, com esse romance, uma maneira de enxergar a história através da ficção, influenciando profundamente escritores posteriores e moldando o imaginário medieval que ainda ressoa na cultura popular contemporânea.