Diferente do último livro que li do Chesterton (1874-1936) o Eugenia e Outros Males (1922) foi um pouco mais fácil de entender, mas ainda assim é um desafio captar tudo que o autor quer dizer.
Trata-se de um livro que lida diretamente com o problema que é apresentado em seu título, e que era a "praga científica" da época. Em nome da ciência, uma tirania se erguia na Europa e Chesterton foi uma das nobres vozes que abertamente enfrentou essa moda intelectual em nome das coisas antigas e perenes.
O livro é dividido em duas partes. Na primeira, o autor busca expor o que é a eugenia e quais são os problemas em tal teoria. Na segunda, tenta apontar para as raízes do problema, o que o ensejou de fato.
O autor começa definindo a eugenia como o controle da parte de uma minoria sobre o casamento, o sexo e a procriação da maioria. É claro que muitos douram a pílula e a apresentam como uma forma de se preocupar com a posteridade e o caminho para um futuro mais próspero e feliz. Mas, no final das contas, trata-se de tal tipo de controle. O suposto fundamento moral está fundamentado na ideia de que se deve considerar o bebê inexistente antes do par presente. Com isso, converte-se o patife de outrora em herói, pois qualquer 'defeito' encontrado no noivo ou noiva, ou mesmo no cônjuge, será justificativa plausível e mais do que justa para abandoná-lo.
Para o autor, a eugenia não era mais uma ameaça futura, mas uma ameaça presente, pois seu veneno já corria pelas veias das leis. Ela havia se iniciado por meio das leis dos débeis-mentais, que deveriam ser trancafiados e impedidos de procriarem-se. O problema é que não havia uma definição precisa e técnica sobre o que era uma tal pessoa louca. Na verdade, havia uma definição tão genérica e abrangente que poderia condenar qualquer um que os médicos quisessem. Dizer que se tratava de alguém que não agisse de forma racional em momentos de pressão, ou que não fosse prudente, deixa, na melhor das hipóteses, quase todo mundo sob suspeita. E para piorar, quando se questionava quem é que deveria exercer a autoridade para implantar as medidas eugênicas, encontrava-se um grande problema, pois os médicos não concordavam entre si na definição de quem era o louco, de tal poder dado aos médicos criaria uma condição de inevitável conflito de poder. Toda essa instabilidade constitui um estado de anarquia, a qual Chesterton define como uma normalização da exceção, como um rompante incessante e incessável, em uma incapacidade de se retomar o estado de normalidade após se exercer uma medida extrema. E esse era o destino da legislação eugênica, que tenderia cada vez mais à viabilização da tirania e à subversão da normalidade civil.
Chesterton também dirige suas críticas diretamente à própria teoria, demonstrando que a hereditariedade, embora inegável, estava eivada de mistérios, pois não é fácil precisar exatamente o que foi herdado do pai ou da mãe, e em que medida isso se deu, ou mesmo se veio de uma ancestralidade ainda maior - o autor já admitia as noções de genes recessivos.
Para finalizar a primeira parte, Chesterton observa que essa tirania dos eugenistas era pior do que as antigas tiranias, pois sua proposta era a de tolher liberdades fundamentais em nome de uma experiência, para verificarem suas hipóteses, e não por alguma convicção. Isso faz com que a nova tirania e perseguição seja feita não para se ensinar algo à força, ou por se acreditar em algo, mas para tentar aprender algo com o 'sacrifício imposto' do outro. Com efeito, a ciência moderna havia se tornado a nova religião, e usava o "poder temporal" para se fazer valer. Entretanto, esta era uma 'igreja estabelecida na dúvida', e não em convicções - o que, por si só, tornava o experimento um abuso colossal.
Na segunda parte, Chesterton começa com um interessantíssimo tratamento da condição progressista que vê os acontecimentos pregressos, primeiramente como males necessários e depois como bens providenciais. Em suma, ha uma atitude típica de impenitência, onde as pessoas se recusam a admitir que erraram, em que assumem como inalterável o processo que se deu no passado e culminou no presente. Para tal, precisam até mesmo falsificar a história ou obliterar as partes que incomodam. E a parte que incomoda a ser destacada pelo autor é a questão da origem dos pobres.
É nesse contexto que surge a proposta eugênica. Afinal, a exploração dos pobres ao máximo acabou por torná-los tão miseráveis que se tornaram maus empregados, entregues à bebida e à promiscuidade, que são os prazeres acessíveis à sua condição deplorável. Assim, com muitos filhos para criarem e sem condições de o fazer, acabam debilitando sua própria saúde e, sendo isso uma condição generalizada, prejudicam a própria produção. Os ricos e empresários, então, pensaram em uma forma de erradicar a pobreza pela eliminação do pobre, e isso de forma velada: a eugenia.
Os últimos capítulos da segunda parte são destinados a analisar as forças que ainda podem se contrapor aos avanços totalitários da eugenia.
Em seguida, o autor fala sobre o socialismo. Ele se opõe ao socialismo por conta de sua concepção a respeito da propriedade privada, que lhe parece questão de honra - embora, temos de nos lembrar que o autor pensa nisso em termos distributivistas. Nosso filósofo inglês observa que há uma disputa entre liberais e socialistas no que diz respeito à importância da liberdade e da igualdade. Entretanto, o atual estado promoveu toda a privação das liberdades que há no socialismo sem promover qualquer igualdade prometida. Portanto, nem mesmo o socialismo pode surgir como rival da tirania eugenista.
Por último, Chesterton fala sobre a sacralidade da propriedade doméstica, que é encarada com afetuosidade como um deus do lar entre os antigos. Chesterton nota que o ideal de família e do trabalho para sustentá-la estão sendo altamente aviltados pela situação do trabalhador moderno, que não tem nenhuma segurança no seu ofício, sendo despedido como um ninguém, ao mesmo tempo que é vigiado de perto dentro de sua própria casa pelos tentáculos totalitarista do Estado. Priva-se o indivíduo, pois, de sua propriedade e de sua liberdade.